Ainda é difícil de entender direito o porque, mas toda vez que uma pessoa se identifica como *Calvinista entre evangélicos, as reações são quase sempre de repulsa, estranhamento, preconceito e até mesmo de agressividade. Parece que o simples fato de levantar uma bandeira hoje, nesses tempos pós-modernos onde relativismo é lei, inclusive entre cristãos, ofende qualquer “cidadão de bem”, geralmente resistente a qualquer alteração de status quo social vigente. Não estou fazendo “vitimismo” com os calvinistaa, até porque atualmente sou luterano e biblicamente a aceitação ou não do calvinismo não é relevante para a salvação. Calvinismo é uma fortíssima forma bíblica de pensar o cristianismo, considerada a mais bíblica pelos seus adeptos (por isso aderem ao calvinismo.. Dã!), mas o fato é que a salvação é totalmente pela graça (Ef. 2:8-10) e que somos iguais perante o Senhor Deus (Atos 10:34/ Rom 3:23), então a tentativa de ser mais bíblico ou mais “santo” não torna ninguém mais agradável a Deus, nem superior a ninguém, pois todos precisamos da graça comum, distribuída a todos, e da graça salvadora do Senhor, distribuída a seus eleitos que em nada têm algum mérito para isso para que se possa comparar com outra pessoa.
Eu vejo que hoje ser “calvinista” ou “neo-calvinista” é até uma moda entre evangélicos brasileiros, principalmente entre universitários que estão em plena efervecência acadêmica e se encantam com os argumentos dos teólogos calvinistas. Talvez por ser moda, muitos estão usando a fé reformada como forma de auto-afirmação, sendo arrogantes e agressivos com os outros, mostrando que eles estão certos e todos os outros estão errados. Vejo muito disso em redes sociais, blogs, etc.. Confesso que isso me irrita muito também..
Muitos, querendo não tomar parte dessa briga idiota toda entre variantes teológicas que podem coexistir muito bem, mesmo sendo opostas e opostas entre si (o cristianismo encanta pela diversidade, não?), dizem que são “neutros” e usam a passagem bíblica onde Paulo repreende os coríntios que conflitavam entre si sobre quem seria o melhor pregador e se diziam discípulos do que consideravam melhor, fosse Paulo, fosse Apolo. Segue abaixo a repreensão de Paulo:
Porque, dizendo um: Eu sou de Paulo; e outro: Eu de Apolo; porventura não sois carnais?
Pois, quem é Paulo, e quem é Apolo, senão ministros pelos quais crestes, e conforme o que o Senhor deu a cada um? (1 Cor 3:4,5)
Dizem que ao tomar partido entre Calvinismo e Arminianismo, estamos nos comportando como os coríntios que tinham esse tipo de divisão. Bom, essa não é a verdade. Vejamos.
Nem “Calvinismo”, nem “Arminianismo”, são doutrinas baseadas nas pessoas “Calvino” e “Armínio” respectivamente. “Calvinismo” e “Arminianismo” eram xingamentos que surgiram na época em que houve esse debate sobre salvação monergista ou sinergista e soberania divina total ou parcial. Os batistas calvinistas, por exemplo, como John Piper, John MacArthur, Spurgeon e outros, discordam de Calvino sobre a Ceia do Senhor (que para o batista é um memorial, seguindo a linha de Zwinglio) e do batismo infantil por aspersão (os batistas batizam adultos por imersão). O modelo eclesiástico dos calvinistas presbiterianos, congregacionais, batistas e Anglicanos também têm suas diferenças do defendido por Calvino. Tais são chamados de calvinistas por causa da nossa crença na fé reformada, na TULIP e nos 5 pontos da fé reformada (hoje chamada de “calvinista”). Sendo assim, dizer que calvinistas são seguidores de Calvino é um equívoco muito grande. Pergunte a um calvinista se ele leu todo o material deixado por Calvino, ou pelo menos as “Institutas”, obra mais célebre de João Calvino; você vai se surpreender com a quantidade de calvinistas que nem nem sequer sabem qual era a teologia do próprio Calvino, mas só conhecem a teologia de outros pregadores e teólogos calvinistas de bem depois de Calvino. Biblicamente e historicamente, sempre houve muita liberdade de discordar do que esse homem (usado por Deus, mas ainda homem) falou; apesar de realmente haver sim focos de idolatria nesse grupo teológico do protestantismo.
Os arminianos em sua maioria são pentecostais. Armínio, com certeza, teria xilique se visse os “arminianos” de hoje que são mais para Pelagianos, Paulícios e Montanistas do que para o que ele ensinou. O termo arminiano também foi cunhado como um xingamento contra os que criam na mensagem de salvação sinergista de John Wesley e Charles Finney, que usavam muitos textos de Armínio para corroborarem a pregação deles de salvação. Mas a maioria dos arminianos de hoje crêem em algo bem diferente do que foi ensinado por armínio, no geral.
Sendo assim, comparar essa situação atual com a situação que ocorreu entre Paulo e Apolo não condiz com a realidade.
Arminianismo resgata e adapta a teologia pelagiana e introduz isso no cristianismo protestante, que em sua essência foi monergista, o pensamento sinergista, defendido pelos arminianos, foi duramente combatido por reformadores como Calvino e Lutero. É natural que os que são influenciados pela teologia monergista do calvinismo não concordem com pensamento sinergista e busquem refutar isso e vice e versa, mas comparar essa situação ao embate entre os adeptos de Paulo e Apolo, como ocorreu na narrativa bíblica é equivocado, não tem valia histórica e doutrinária.
Finalizo citando as palavras de Spurgeon, que reflete o sentimento de muitos calvinistas, ao serem chamados de “seguidores de Calvino”:
Não, eu não levanto a bandeira de Calvino. Eu só estou junto com ele balançando a bandeira do Verdadeiro Evangelho.
Como luterano, quero deixar aqui também registrado meu respeito e minhas mãos estendidas aos irmãos de ambas tradições cristãs para que juntos caminhemos rumo ao alvo de nossa existência, que é dar total glória ao Senhor.
Sola Gratia! Sola Fide! Sola Scriptura! Solus Christus! Soli Deo Gloria!
Muito bom o texto.. somente uma duvida… quando voce cita que para os batistas a Ceia é um memorial (e é isso mesmo.. sou batista), como os presbiterianos veem a mesma? Tks
Muito bom amigo!